Uma breve história da polícia
A polícia tem sua origem praticamente simultânea aos primeiros grandes agrupamentos sociais. A centralização da gestão das condutas humanas na figura de um poder central faz com que se tornem necessários mecanismos que assegurem a ordem pública e evitem o caos nas relações sociais. As organizações políticas compreenderam que sua própria estabilidade depende da ordem; a imposição de uma força capaz de coagir e intimidar a população permitiu o desenvolvimento de governos públicos.
A forma e o sentido da atividade policial tem se alterado ao longo do tempo. A percepção contemporânea da polícia é fruto de fatores estruturais e organizacionais ocorridos ao longo de seu processo histórico. Há relações de proximidade da palavra polícia com política, vez que diz respeito à maneira da autoridade coletiva exercer o poder.
A polícia, que surge como forma de controle social racionalizado, passa a ser compreendida como o agente público que coage condutas humanas tidas por perturbadoras da ordem pública. Portanto, a autorização legítima do uso da força é expressão característica da polícia; o que a torna reconhecível e a faz se reconhecer enquanto instrumento estatal. As primeiras formas de polícia pública europeia surgem na Inglaterra, por volta do século XIII.
O século XIX é o momento histórico em que a polícia moderna passa a ser estruturada dentro do Estado em moldes semelhantes aos atuais. A criação de uma força policial capaz de lidar com civis dentro de um ambiente urbano é o que a diferencia do exército. As cidades norte-americanas no século XIX encorajavam a iniciativa popular ao oferecer recompensas para a captura de criminosos. Alguns grupos foram formados para caçar criminosos. Trata-se de um dos diversos arranjos sociais de organização de uma força que tinha por objetivo manter a ordem conforme um molde eminentemente estatal.
Na Europa, o surgimento de forças policiais tem relação clara com a formação de levantes e movimentos sociais contra o poder estabelecido. A polícia europeia do século XIX tinha por meta conter a ação de “turbas”.
O sociólogo francês Jean Claude Monet escreveu que “durante séculos, a luta contra os distúrbios políticos e sociais é, na Europa, confiada principalmente ao exército. Mas, pouco a pouco, no decorrer do século XIX, os responsáveis militares se insurgem contra o desemprego de suas unidades na manutenção da ordem urbana. (...) Entusiastas, mas insuficientemente treinadas e equipadas, sem legitimidade, essas milícias contribuem para exarcebar os problemas de ordem pública mais do que para resolvê-los. (...) Premidos entre exércitos cada vez mais poderosos e milícias ineficazes ou pouco seguras, apesar de sua boa vontade, os Estados europeus escolhem reforçar a especialização policial no domínio do controle das multidões. Em certos casos, essa especialização leva a criar organizações policiais ditas do tipo ‘terceira força’, que se situam a meio caminho do exército e da polícia clássica”.
A polícia urbana é historicamente recente e constituições antigas sequer a citam em seu texto. Foi criada no século XIX para sanar problemas táticos e políticos. Essa força policial era menos dispendiosa em gastos que uma força militar, criava menos ressentimento na população e respondia melhor às diretrizes de uma autoridade civil.
A polícia norte-americana do século XIX traz quatro importantes inovações. A instituição tinha organização hierárquica, recebia ordens do Executivo ao invés do Judiciário, os uniformes tornaram seus membros visíveis - e assim reconhecidos pela população - e, por fim, foi pensada para ser ativa, englobando patrulhamento e liberdade para a acusação de criminosos. Desse molde norte-americano surge a polícia urbana contemporânea no Brasil.
O policiamento passa a ser percebido como um serviço urbano, que começa a ser cobrado pela população. Os efeitos da presença policial nas ruas fizeram com que a população reivindicasse patrulhas em áreas que não estivessem. Houve, portanto, um declínio no final do século XIX nos crimes violentos e nas mortes acidentais. A polícia torna-se uma força pública legitimada, a serviço de um ente público, o Estado, cujo molde é a base da força policial que ora existe nas mais diferentes sociedades ocidentais.
Victor Hugo Lopes é jornalista e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC). Transcrito, sem adaptações, do jornal Diário da Manhã (Goiânia-GO), desta data. Postado em 19/02/10
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