terça-feira, 22 de junho de 2010

Mariano Peres tem livro lançado em projeto cultural


Talento cultural uruaçuense, doutor Mariano lança livro

Advogado, militante cultural e articulista deste periódico, Mariano Correia Peres (doutor Mariano) está entre os 136 autores de livros que lançaram suas obras dia 18 de março, na capital do Estado.
A iniciativa, dentro da terceira edição da coleção Goiânia em Prosa e Verso, é da Prefeitura de Goiânia, através da Secretaria Municipal de Cultura (Secult), sob parceria com a editora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) e a Kelps Editora, ambas com sede naquela cidade.
A coleção, segundo a Pasta cultural e Kleber Adorno, secretário de Cultura, revela aos leitores panorama da qualidade, talento, criatividade que marcam o nível artístico e intelectual de Goiás. Tudo teve início em 2005, com a edição, o lançamento de 40 obras. Em 2008, 71 livros ganharam publicação. Para a seleção, o autor interessado deve ser goiano ou residir em Goiás há mais de cinco anos e os livros não podem ultrapassar 100 páginas. Cerca de R$ 800 mil foram investidos na edição 2010 do projeto.

O livro
A obra, O Revolucionário, é um dos escritos que Peres já detinha há tempos no rico acervo cultural que criou e cria. Se no Norte goiano existe alguém com boas histórias guardadas, esse alguém é Peres. Faltam recursos para que possam ser transformadas em mais livros.
O autor (incentivador de primeira deste periódico), que se dirigiu pessoalmente a Redação do JC para repassar um exemplar do livro, mostra a labuta do lavrador Nego Carreiro, um cidadão enfático em conquistar oportunidades sociais para ele e as muitas pessoas do então Centro de Goiás, especificamente quem se encontrava nas cidades de Formoso e Trombas. Fruto dessas lutas por ideais distintos e do enfrentamento aos agentes policiais e oficiais da Justiça, ajudou criar a denominada Liga Camponesa, ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Haja atrito e ele se dirigiu forçadamente ao Norte do Brasil, deixando para trás a família, o que só aumentou a amargura geral.
Enfim, um livro para realmente ser lido, em referência aos que fazem de conta que lêem.
No evento de lançamento coletivo, promovido no deck (estacionamento coberto) do Flamboyant Shopping Center, cada autor teve a oportunidade autografar os trabalhos, em uma mesinha especial para tal finalidade. Ocasião amena em que familiares, amigos, colegas, autoridades, personalidades, populares dos autores se fizeram presentes.
Dentro do maior lançamento literário da história de Goiás, outro uruaçuense, o desembargador e escritor Itaney Francisco Campos (doutor Itaney), também teve obra lançada - Inventário do Abstrato. A reportagem não teve acesso a essa obra.
Itaney, que comentou o livro de Peres, de quem é parente, no artigo O Revolucionário de Mariano Correia Peres. Já Nasr Fayad Chaul comentou o livro de Itaney. Os artigos integram esta reportagem, abaixo. Peres e Itaney fazem parte da quase inativa, mas importante Academia Uruaçuense de Letras (AUL).

Acesso à publicação
De acordo com a Secretaria e o secretário Adorno, são 136 autores goianienses “natos ou de coração, de várias gerações, em diversas modalidades e estilos.” Entre os quais, artistas, professores, advogados, pesquisadores, intelectuais, jornalistas, nomes de projeção e escritores convidados, além de novatos selecionados que se viram diante da oportunidade de iniciarem trajetórias e foram incentivados a se dedicarem à produção literária ou a pesquisa. O objetivo é estimular a escrita, a leitura de obras literárias. “Um arranjo de palavras cuidadosamente pesquisadas para exprimir uma ideia ou uma brincadeira de composições ousadas”, lembrou o homem forte da cultura na gestão do então prefeito Iris Rezende (PMDB) e, do atual, Paulo Garcia (PT). “Não importa o estilo ou os objetivos, a literatura, ao longo dos tempos, tem servido para o desenvolvimento da língua, para o registro histórico, para a tradução dos sentimentos e expressão dos pensamentos universais.”
Mais de Adorno: “Considera-se a literatura como traço fundamental de expressão coletiva que, por meio da escrita, busca a veiculação criativa de seus conteúdos culturais”, pontuou o mesmo, que também ressaltou: “Pode parecer genérico demais, mas a literatura tem o privilégio da liberdade e não precisa, necessariamente estar vinculada ao uso social, ou à defesa de uma ideologia ou mesmo retratar a realidade.” E, também: “Não tem o objetivo específico de mudança de comportamento social, despertar consciências políticas, embora faça isso. E o faz de forma lírica, árida, real, ficcional, documental, romântica, clássica, erudita, popular.”
Para a Prefeitura, Adorno e os parceiros, a coleção consegue favorecer o acesso à publicação de novatos autores, dá visibilidade à escrita fora dos ambientes acadêmicos e guetos editoriais de mercado, dando voz àqueles que desejam expressar-se culturalmente por meio literário.

ARTIGOO Revolucionário de Mariano Correia Peres

Itaney Francisco Campos

A imaginação humana, por mais poderosa que seja, não consegue alcançar as dimensões da tragédia que é a existência do homem, com os seus dramas em escala universal e os sofrimentos imperceptíveis que atormentam as pessoas em sua convivência diária. A agonia que cada dia oferece, a angústia camuflada nas situações cotidianas, a incomensurável capacidade destrutiva do ser humano, que concentra em si a malícia de Lúcifer e a resplandecência da divindade, não podem ser abarcadas, em sua completude, pela inventividade da narrativa literária.
É certo que Dante e Shakespeare se aproximaram, mas não contam porque representam a suprema genialidade criativa, cujos titulares se contam por séculos. Sem embargo disso, o escritor militante não desiste da tarefa de reinventar o mundo, de imitar a vida, tecendo tramas e enredos que, por vezes, parecem superar o realismo mágico em que nos debatemos, sobretudo nosotros, cidadãos da região periférica e anárquica que é a América Latina. A marca dos países do sul do continente americano é o deflagrar recorrente dos regimes autoritários, a serviço da predominância dos valores hegemônicos da classe social burguesa, em nome da ordem e da disciplina. As aspirações de mudança da estrutura social e econômica são frequentemente consideradas como pretensões subversivas e atentatórias aos valores mais caros da sociedade “cristã e democrata”. Com esse refrão, vedam-se as iniciativas de reforma estrutural, de reorganização fundiária, de renovação da estrutura político-partidária.
O artista, testemunha do seu tempo e reinventor da história de sua sociedade, transpõe para o plano literário os sentimentos, os sonhos e as aspirações que ausculta e sente palpitar na alma do homem, seu contemporâneo. O escritor, na tarefa de recriar o universo, no plano do imaginário, intenta reproduzir, no nível ficcional, os eventos que a realidade lhe oferece, transfigurando-os porém, ao filtrá-los e idealizá-los segundo a sua ótica pessoal de criador.
É assim que o escritor Mariano Correia Peres relata a vida de Nego Carreiro, um lavrador que, em busca de oportunidade social, envolve-se na luta dos posseiros da região de Trombas/Formoso, na região central do Estado de Goiás, que resistindo à ordem de desocupação de suas posses agrárias, enfrentam os oficiais da Justiça e os agentes da Polícia, terminando por organizar-se em uma Liga Camponesa, sob os auspícios do Partido Comunista do Brasil. O personagem, perseguido pela Polícia política, tem a sua vida pessoal devastada, obrigando-se a refugiar no norte do País, após ser forçado a abandonar a família. Em uma narrativa leve e pitoresca, colorida pela transposição dos costumes e linguagem local, o autor consegue realizar, com êxito, uma obra criativa, em que ressai o  sentimento de solidariedade em relação aos lavradores despojados de suas terras, e denuncia as truculências do regime de força que se abate sobre os deserdados da sorte, transformando suas vidas em tragédias. Isso quando não interrompe o próprio curso de suas existências, em nome da preservação de uma ordem que privilegia os latifundiários.
A literatura-testemunho, quando não desvia para o panfletário, é uma manifestação artística entranhada do “sentimento do mundo” e da solidariedade humana, e ingressa no veio das grandes obras da literatura universal que se preocuparam com os pequenos, os marginalizados, os esquecidos das instituições sociais e que são enxotados do convívio coletivo. Nessa vertente, as obras imortais de Dostoievksy, Gorki, Dickens e Vitor Hugo, entre outros. A preocupação social e a identificação com os pequenos e humildes, podemos observá-las nas obras de Modesto Gomes, Bernardo Elis e Carmo Bernardes, para citar alguns dos nossos. O romance “O Revolucionário” merece leitura atenta, não só pelo que apresenta de pioneirismo, porque são raras as obras ficcionais com essa temática e nesse contexto social e histórico, mas também pela leveza da narrativa, o estilo despretensioso e o pitoresco das descrições dos hábitos e costumes regionais destes grotões do Brasil Central.

Itaney Francisco Campos é natural de Uruaçu, reside em Goiânia e, é magistrado e membro da União Brasileira de Escritores de Goiás

ARTIGO
O inventário concreto de Itaney Campos

Nasr Fayad Chaul

Quando a poesia nos chega assim como reflexo da maturidade, como produto de vivências, como alquimia de vida, é preciso realmente fazer um inventário. Um Inventário capaz de mostrar a face mais exata do Abstrato, às vezes duro como concreto, por vezes sensível como os caminhos do coração.
A Poesia lava a alma, acalma os sentidos, faz sentido. Reflete a emoção de quem diz por nós o que sempre carregamos e pouco traduzimos. O poeta tem essa virtude: o de traduzir nossos sentimentos, de ser a carga de volts inversos na corrente da vida, de inserir chips no coração, como se as veias fossem internets em sistema on line. O poeta é esse ser indizível, termostato do absoluto, luto retirado dias antes da morte do amor.
Com Itaney Campos a poesia nasceu madura, sofrida, amorosa, lírica... Universal de quintal goiano, finca, pião e fieira. Escorre pelo chão batido do interior de Goiás e inunda a península ibérica de nossos sonhos ancestrais. De infância rica, vivida por dentro, como se o interior fosse inesgotável, como se córrego de nossa aldeia banhasse duas vezes o mesmo poeta, na infância e na vida madura, regando sonhos e esperanças, banhando o riacho doce de nossas vidas passadas a limpo. Itaney viaja por continentes como quem lê a palma da mão, ama e sofre, sofre e ama e vive, e vive intensamente transpirando a vida por poros indivisíveis de imaginação como quem enxuga lágrimas por dentro. O homem de leis cede lugar ao homem ligado nas questões sociais, repele os burocratas como devem ser repelidos, a ferro e fogo, poeticamente, o ser humano é mais importante que a rigidez do julgamento. Nosso poeta é assim: tateia mundos ao redor de paredes, por isso as mãos são artesãs das palavras.
O Inventário do Abstrato é uma elegia cósmica no trato dos viventes, uma apaixonada viagem por viagens interiores, mesmo quando o tema é externo, é tratado por dentro. Louva a mulher amada e a poesia impressa corrobora, repetindo duas vezes o mesmo poema dedicado a ela como se reforçasse o amor em páginas de ecos silenciosos. Devorem “Redondilhas”, “A Paisagem e o Sonho”, “Voragem”, “Em Madrid”, “Afluência”, “Revisitação da Infância” e “Venus Prisioneira”, sínteses do muito mais que há pra ser guardado no Inventário de todos nós. A força da poesia de Itaney é exata: nos diz o que sempre sentimos e não soubemos exatamente como dizer, o poeta diz por nós e os nós são de um arguto marinheiro do Lago de Serra da Mesa.
A poesia de Itaney tem reminiscências e reflexões, lembranças e amor, carne, alma, sexo e o sentimento do mundo, como se a amargura não fosse por si uma poesia não escrita, como se o Inventário do Abstrato não fosse o lado mais concreto do poeta, sua sensibilidade ao tratar a vida que, de tão especial, vira torrentes de palavras capazes de transformar o amianto em flor. Ao largo [...] passeia um barco calmo, levando até suas margens uma caixa onde se encontra um Inventário de Poesias, com uma única mensagem: “o importante é que a nossa emoção sobreviva”.

Nasr Fayad Chaul reside em Goiânia, foi presidente da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (Agepel), é compositor, doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (UFG). Transcrito do jornal Diário da Manhã (Goiânia-GO), de 11/04/10

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