segunda-feira, 9 de agosto de 2010

ARTIGO - Opinião

Polícia Militar, uma escola de vida

 

Francisco de Assis Alencar

 

A Polícia Militar de Goiás foi e continua sendo a minha escola de vida. Deixo-me invadir por um sentimento de gratidão pelas experiências vividas, as boas e as ruins, de tudo ficaram lições.  Retorno no tempo revivendo as grandes oportunidades que me foram oferecidas. Declarado Aspirante a Oficial no ano de 1973 foi me dado o direito de escolha para prestar serviços no 3º Batalhão com sede em Araguaína, hoje estado do Tocantins. Enfim chegara a hora tão sonhada, colocar em prática os conhecimentos teóricos adquiridos no período de formação escolar como cadete na Academia da PM.  Assim que me apresentei ao comando local, fui enviado para comandar um pelotão especial recrutado às pressas, para atender a emergência da operação contra os subversivos no extremo norte do estado, batizada de operação VINOR.
Assumi o comando do meu antecessor dentro de uma barraca às margens da Transamazônica na divisa com o estado do Pará, uma rodovia projetada pelos governos militares que até hoje não se consolidou. Mas naquela época o nosso objetivo era apoiar as forças federais no combate aos terroristas e subversivos da ordem local. Tanto que entre o material  carga que recebi,  relações de armas, munições e apetrechos para o acampamento, constava uma pasta com a foto e a descrição de todos os procurados por estarem envolvidos no levante junto aos proprietários rurais na região de Xambioá, com ordem para efetuar suas prisões.

A rotina do serviço era preparar as escalas de serviços e fiscalizar os turnos, mantendo uma vigilância diuturna ao trânsito. Ninguém passava por ali sem sofrer uma revista completa, nos passageiros dos ônibus, caminhões e automóveis e suas respectivas bagagens. Ali não tinha choro e nem vela, a revista era geral. Diariamente pessoas eram detidas, qualquer material sob suspeita era logo apreendido. Graças a Deus nos postos em que atuei, pude liberar todos os que eram simples trabalhadores rurais, pessoas da mão calejada e pessoas conhecidas da região, contribuindo com a paz e o respeito devido ao cidadão. Todos os suspeitos eram encaminhados para a sede do Terceiro Batalhão em Araguaína.

Não dá pra não acreditar em anjo da guarda, depois de passar por aquela experiência. Nas horas da madrugada quando tudo silenciava e o trânsito dava uma trégua, conseguíamos tirar alguns cochilos.  Filho da região,  desde pequeno aprendi a dormir em redes. Mas dormir em rede dentro de uma barraca na beira de uma estrada movimentada, comendo poeira, foi a primeira e última vez.

Além de cumprir a missão da melhor forma, existia a possibilidade de sofrermos um ataque, tanto por parte dos pretensos terroristas, como pela natureza da operação que certamente incomodava a muitos. Na condição de chefe e responsável pelo sucesso ou insucesso da operação, tinha que exercer uma vigilância cerrada sobre os meus comandados, visto que nossa responsabilidade crescia, dado a tentação para o consumo de bebidas alcoólicas naquelas condições. Outro ponto importante era a guarda do material apreendido, principalmente armas, munições e objetos de valor até o encaminhamento dos mesmos ao setor competente.

Eu era apenas um Aspirante a Oficial e como o aspirantado é um período probatório, foi a minha prova de fogo decisiva. Fui promovido a 2º Tenente dentro do prazo estipulado, apesar dos entreveros. Porém algo extraordinário aconteceu na minha vida no período em que trabalhava nos postos móveis ao longo da BR-153 e da transamazônica. Assim que passei na cidade de Colinas conheci uma jovem, que me transmitiu uma energia diferente, um fascínio irresistível, uma energia vibrante no olhar, transmitindo-me a certeza de que caminharíamos juntos na trajetória da vida.

Não tenho dúvida, passei pelo que tinha que passar, estava tudo escrito (maktub), era só seguir os passos. Aquele era o meu caminho. Embora a dureza das lições recebidas, as oportunidades benfazejas foram maiores. No final de 1975 realizei o meu sonho: - casei e retornei a Goiânia cheio de esperanças. Desde então uma estrela guia os meus passos. Tudo partilhamos em nossos vidas. Tempos depois ela também ingressou no serviço policial militar como Oficial Assistente Social. Ela ama o que faz. Granjeou amizade e respeito ao longo da sua carreira profissional. O trabalha que ela vem realizando repercute além PM goiana, visto que já serviu de modelo e inspiração para outras co-irmãs. Tudo que eu gostaria de ter feito quando no serviço ativo e não consegui fazer por me faltarem as oportunidades, ela vem realizando. O prestígio dela é de toda a família, pois a nossa história é conjunta. Sempre compareço nas solenidades e eventos profissionais, quando sou lembrado como alguém que apóia e colabora com o  Serviço Social e  com os Programas de Saúde ali coordenados.  “Tudo vale a pena quando a vida não é pequena”, com esta frase do poeta Fernando Pessoa, finalizo  agradecendo a Deus por tudo e à minha amada  pelo rumo que a minha vida tomou junto dela.

 

Francisco de Assis Alencar é coronel da Polícia Militar. Contatos: assis.alencar@terra.com.br. Transcrito, sem adaptações, do jornal Diário da Manhã [Goiânia-GO], desta data. Postado em 09/08/10

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