PERFIL
Pouco conhecido, vice de Marconi tem luz própria
José Eliton Figueirêdo Júnior se destaca como advogado atuante no Direito Eleitoral e tem a política como tradição familiar: o pai foi prefeito de Posse, na região Nordeste do Estado.
NILSON GOMES - Especial para o Jornal Opção (*)
José Eliton, durante a convenção do DEM, em junho
Dona Mirtes, então primeira-dama de Posse, no Nordeste goiano, não dormia esperando Júnior. O esporte que o filho havia acabado de escolher era um assombro, mistura de vaquejada e rodeio com loucura mesmo. Colocavam mesas de bar no picadeiro e, ao redor, rapazes corajosos. Soltava-se um touro de quase uma tonelada ou um boi com meio metro de chifres. Nas arquibancadas, o público torcia, claro, para a fera. Quem se levantasse da cadeira ou tentasse se desviar da investida do animal era automaticamente desclassificado. O último recebia o prêmio. Dona Mirtes conta que Júnior nunca chegou em casa laureado nem machucado pelo touro. Se caía do cavalo, era literalmente.
O esporte anterior de Júnior havia sido a vaquejada. Subia num cavalo e corria atrás do gado em dupla com o amigo João Batista Costa, atual secretário de Meio Ambiente de Posse. A tarefa era derrubar a vaca em um ponto determinado. A aflição de dona Mirtes começava antes: “Eles soltavam a vaca num corredor estreito e o Júnior esporeava o cavalo atrás”. O corredor acabava no palco da festa, o picadeiro. Ganhava quem fizesse o serviço completo (correr e derrubar — na mão) em menos tempo. Um fazendeiro da região, Antônio Moreira, emprestou a Júnior um cavalo famoso pela beleza e a rapidez, amestrado para vaquejada. Júnior ficou treinando com o animal e, enquanto se tornava ás, mantinha-o perto de casa. Numa manhã, foi buscar o cavalo do fazendeiro: “Era o lugar mais limpo”. Fugira. O rapaz ficou desesperado. Chamou os amigos, matou aula, procurou para cima e para baixo. Nada. Primeiro, contou aos pais. Bronca. Continuou procurando. Nada. Foi ao fazendeiro. Seu Antônio, olha, num é de ver que seu cavalo fugiu. O senhor me desculpe, não foi descuido etc. etc. etc., mas eu vou pagar. Olha, Júnior, esse cavalo é de estimação, não tem nem preço. Se tiver eu vou pagar, o senhor pode ficar tranquilo. Bom, tranquilo seu Antônio não ficou, mas perdoou. Uma bela tarde, dias depois, chega à porta de dona Mirtes outro agricultor vizinho puxando um cavalo. Era o fujão. Não teve de pagar o animal, só que não escapou da conta: havia comido a roça do vizinho. Findava ali a carreira do destemido derrubador de boi bravo.
Antes da vaquejada, os hematomas de Júnior tinham outro motivo, o bicicross. Dona Mirtes perdeu a conta de bandeides, esparadrapo, mertiolate, gase e outros apetrechos de farmácia gastos nos braços, pernas, ombros e tudo quanto é lugar do corpo do atleta. Não chegou a quebrar o pai, mas quebrou o braço, as bicicletas e a crista: “Era um menino desassombrado, mas consciente”, lembra a mãe. Dona Mirtes não sabe, mas Júnior corria até com a bicicleta sem freios. Dona Mirtes não sabia, mas o menino desassombrado, que derrubava boi, que ficava ao redor da mesa esperando touro, que praticava bicicross com bike sem freios teria o mesmo desassombro na política. Dona Mirtes só soube disso enquanto assistia, emocionada, a convenção do Democratas que escolheu José Eliton de Figuerêdo Júnior candidato a vice-governador na chapa de Marconi Perillo, da coligação Goiás Quer Mais.
Warner de Sousa Barbosa, o Vavá, soube antes. Tem nome de empresa de Hollywood, há muitos anos não vai ao cinema, mas teve ideia que só em filme de roteiro B: “Vou lançar doutor Júnior para vice-governador”. No dia seguinte, encontro do Democratas em Posse, Vavá falaria como vice-prefeito. E falou. Lançou Júnior, ninguém lhe deu muita conversa, à exceção da pessoa certa, o presidente do DEM goiano, o deputado federal Ronaldo Caiado. Graças a ele, a ideia de Vavá saiu da ficção, cumprindo sua previsão não da noite anterior: “Desde menino ele é líder”, conta Vavá sobre o primo. Só mesmo tendo muita liderança para escalar Júnior no time da AABB, clube recreativo do Banco do Brasil, local de trabalho do José Eliton de Figuerêdo pai, o que foi prefeito de Posse nos anos 1980, fazendo de dona Mirtes a preocupada primeira-dama. Ainda há na cidade quem tente encontrar um jogador de futebol pior que Júnior. Perna comprida, muito fôlego, muita disposição, mas nenhum talento para dribles, arremates, passes, os fundamentos rudimentares do esporte.
A jogada certa era outra: Vavá acertou na adivinhação e dona Mirtes aumentou a preocupação. Ela viu dentro de casa que política rende em canseira sem dar nada em futuro para quem participa diretamente. O marido, advogado bem-sucedido, aposentado pelo BB, além de prefeito, ocupou diversos cargos estaduais, nenhum com rendimento financeiro. Logo agora que Júnior está com o escritório bem arrumadinho, bonitinho, entrou na política. “Respeito demais a opção dele de ajudar os goianos sendo candidato”, resigna-se a mãe. Está em campanha para Marconi e José Eliton, agora orgulhosa mesmo ficou foi quarta-feira, dia 7, com o filho tomando posse no Senado como integrante da comissão de notáveis, entre eles ministros de tribunais superiores, para reescrever o Código Eleitoral.
Ficar entre ministros não é exatamente uma novidade para José Eliton. Ao se formar em Direito, depois de interromper o curso de História, voltou imediatamente para Posse. Era julho de 1996 e o pai era novamente candidato a prefeito. Sim, José Eliton pai é advogado, mas, sim, confiou a defesa da coligação ao filho recém-formado. O promotor da comarca à época, Tito Amaral, se recorda do bacharel: “O que tinha de talentoso, tinha de brigão. E ele era muito talentoso”. A fama de bom de briga, no âmbito da discussão, o acompanha desde a infância. Vavá conta diversas histórias de Júnior comprando encrenca, mesmo em desvantagem numérica. A habilidade que faltou no futebol, sobrou na articulação: “Ele é bom demais de conversa e mais ainda de argumento”, elogia Vavá. Tito se surpreendeu com a qualidade de Júnior do mesmo jeito que Wilson Dias, o juiz de Direito de Posse. Tito previu que Júnior seria ministro do Supremo Tribunal Federal. Bom, integrante do STF ele ainda não é, mas já advogou ali diversas vezes e, em outra corte, o Tribunal Superior Eleitoral, é conhecido e elogiado.
Eduardo Alckmin foi ministro do TSE e demonstra vasto vocabulário ao enumerar os adjetivos para definir José Eliton: “Ele é brilhante, talentoso, atuante, lúcido, preparado, estudioso”. Júnior trabalhou com Alckmin e da convivência saíram distribuindo centelhas assim um sobre o outro. Ao saber que o ex-pupilo seria candidato a vice-governador, Alckmin fez a mesma pergunta que dona Mirtes: “Como alguém pode abandonar uma carreira tão bem-sucedida”. O ministro lamenta mais ainda pela profissão: “Sempre me surpreendo que alguém queira deixar a advocacia ou ao menos interrompê-la”. Logo ressalta a importância da nova atribuição de Júnior: “Política é um caminho de muito sacrifício. O político sério tem uma vida de quase sacerdócio”. E elogia o candidato a vice: “Fico alegre em saber que um profissional talentoso e uma pessoa sensível como o dr. José Eliton Júnior se dedique à política. Portanto, ao mesmo tempo em que fiquei surpreso, também estou feliz com sua escolha”. Praticamente as mesmas palavras da mãe. O próprio candidato a vice responde por que deixa um dos melhores escritórios especializados em Direito Eleitoral e, portanto, lucrativo, para entrar em algo pouco ou nada atraente para honestos como a política: “É a oportunidade de fazer, de construir. Quem vem de uma terra sofrida como o Nordeste goiano não pode perder a chance de fazer algo pela região”.
O leitor deve estar se perguntando como um advogado lá da sofrida terra de Posse foi parar no escritório de um ministro de tribunal superior. A história é longa, mas se resume assim: quem está acostumado a derrubar touro a unha não tem medo de cara feia, não teme um “não”. José Eliton se destacou na defesa de seus correligionários em Posse a ponto de chamar a atenção de um dos principais advogados do País, Felicíssimo de Sena, então presidente da OAB de Goiás. Felicíssimo chegou à mesma conclusão que o promotor Tito: um texto daquele, um conhecimento de Direito como aquele, enfim, um conteúdo naquele nível era exagero para um rapaz de 20 e poucos anos. E José Eliton voltou a morar em Goiânia, em 2004, participando da banca de Felicíssimo. O mesmo roteiro para Alckmin: o ministro conta de seu espanto com a qualidade do jovem advogado. E assim, à custa do próprio talento, José Eliton virou parceiro do escritório de um ex-ministro do TSE.
Desde que largou de andar de bicicross e derrubar touro na mão, José Eliton Júnior virou outro sem deixar de ser o mesmo. Dona Mirtes enumera-lhe os amigos e constata: “São os mesmos do tempo de Posse”. Claro, a lista aumentou, com senadores, ministros, advogados renomados. Aliás, desde que parou de subir em cavalo, José Eliton não para de subir na vida. Antes, começou a subir na rede. Estudante da Universidade Católica de Goiás, hoje PUC, Júnior passou a jogar voleibol. Levou a sério o sobe-levanta-corta e se deu melhor que no corre-derruba. Na vaquejada, nenhuma conquista; no vôlei, chegou à seleção da PUC e competiu em torneios estaduais e nacionais. Seu 1,89m faria dele um baixureco nas equipes de hoje, mas há 15 anos estava na média: “Naquela época, era o padrão”, lembra o candidato a vice-governador.
Entre uma partida e outra de vôlei, mantinha a dedicação aos livros, não apenas aos de Direito. “O Júnior lê muito desde pequeno”, diz a mãe, normalista do tempo em que professor devorava livros. Na hora da entrevista, o repórter testou o candidato. No momento, o que o sr. está lendo? “No momento, o plano de governo da coligação”. Foi alfabetizado na obra de Monteiro Lobato, passou a juventude com a literatura nacional e chegou à universidade devorando os clássicos mundiais. Mirtes já advertiu os filhos (além de Júnior, a contadora Raquel, servidora concursada da Secretaria da Fazenda, e a arquiteta Renata, que foi para a Europa fazer pós-graduação e se estabeleceu na Irlanda, onde projeta shoppings): “A bíblia é minha”. Não, ela não se refere ao livro máximo dos cristãos, mas aos livros máximos da infância brasileira, os do Sítio do Pica-Pau Amarelo. O volume que os filhos dos Figuerêdo leram é em papel finíssimo. Os três têm tão boa recordação que pediram a bíblia com “b” minúsculo. Mirtes foi salomônica: vai ficar na casa em comum do trio, a dos pais. Mesmo com o incentivo paterno, Júnior prefere filosofia a romances, daí citar Sócrates e Platão com a mesma facilidade com que outros políticos falam em música brega. Entre escritores, seu preferido é Émile Zola. O repórter desconfia e pede que cite trechos de “Germinal”. E ele passa na prova. Então, começa a contar trechos também do filme baseado na obra. Fala que já leu Balzac e é confrontado com a observação: diga nome de algo dele que não seja “A mulher de 30 anos”. E tome o candidato citando parágrafos de “Ilusões perdidas”.
Enquanto jogava vôlei como meio de rede da PUC e no Clube Social Feminino e lia os clássicos, Júnior tinha de defender algum dinheiro. Olhou os anúncios classificados, oba!, oportunidade para universitários num negócio estrangeiro. E foi vender cursos de Inglês. Batia de porta em porta, pé no chão, poeira, sol quente. Minha senhora, seu filho precisa. Não! Ô, meu jovem, para concorrer no mercado de trabalho globalizado é muito importante saber outro idioma. Não! E de não em não encheu a paciência e abandonou o ofício tendo conseguido vender apenas um exemplar. Para um amigo. Eram os anos 1980 dos quais traz o gosto pela MPB e o rock nacional. No internacional, é fã de Pink Floyd. Frequentava os hoje derrubados Ginásio Rio Vermelho e Estádio Olímpico. Não caiu na onda de cheirar loló, fazer tatuagem, deixar o cabelo crescer: “Sempre fui muito conservador”. Na faculdade, nada de política estudantil. Para ele, política mesmo era a das urnas, tradicional.
Como o pai, ele militava o tempo inteiro. O primo Vavá e a mãe contam que, nas eleições presidenciais de 1989, a casa se dividia em três: José Eliton pai apoiava Ulysses Guimarães, José Eliton filho ficou com Mario Covas e a irmã do meio, Raquel, torcia para Lula. “Júnior fazia campanha mesmo!”, exclama o primo para enfatizar. Júnior levou de Goiânia uma bandeira imensa, “maior que um carro”, com o nome de Covas. Começou a desfilar com ela por Posse inteira, “se mostrando, exibindo o candidato dele”. Eram os tempos pré-tucanos nos governos federal e estadual e, no Nordeste de Goiás, quase ninguém era PSDB. Germano Barbosa, um tio de Júnior, chegou-lhe a carraspana: “Sai daqui agora com essa bandeira, moleque. Sai! Aqui em Posse só entra Ulysses”. Em vez de enrolar o parente, enrolou a bandeira: “Só obedeci porque era meu tio”.
Assim, na casa cheia de gente o tempo inteiro, Júnior se fez adulto. Agora, vai voltar a Posse empunhando uma bandeira com o mesmo número, mas com outro nome, o seu. Antes de ser eleito, para sequer pensar em vaidade por tão novo ter a oportunidade de alcançar posição tão alta, a mãe se encarrega de dinamitar o topete que ele não tem: “Ele sempre aprendeu em casa a pisar na vaidade todos os dias, a pisotear a arrogância, porque tudo passa, ainda mais os mandatos, que têm dia e hora para terminar”. Outra arte que Júnior aprendeu com os pais foi a do diálogo. Os colegas da advocacia atribuem parte de seu sucesso à facilidade para articular. Com isso, tem clientes em todos os partidos. Advoga para o DEM como já defendeu o PMDB, deputados do PT, prefeitos das mais diferentes siglas. “Isso (a proeza da comunicação) ele tem desde criança”, baba o pai.
Em Posse, seu prestígio de advogado é tamanho que ultrapassou o de político, mesmo que ele tenha atuado em todas as campanhas. As disputas eleitorais ensejam muita confusão, nem todas políticas ou jurídicas. Em 1994, o deputado representante de Posse, Walter Rodrigues, hoje presidente do Tribunal de Contas dos Municípios, saiu vice da agora senadora Lúcia Vânia. Ainda se podia distribuir alimentos e os generosos representados pelo então candidato a vice fizeram uma grande festa, tendo como organizadores jovens como o hoje candidato a vice. Fim do evento, um passou mal. Depois, outro. E mais outros. E quase todos. Dezesseis anos depois não se sabe se foram as duas caixas d’água de chope que provocaram a maior disenteria coletiva da história de Posse. Quem conta, atualmente, ri, mas o próprio sofreu à época.
Antes de Lúcia, o adolescente Júnior esteve com Henrique Santillo na eleição de 1986: “Fui ao aeroporto recepcionar o Santillo e o líder da juventude, Marconi Perillo”. Na terceira eleição seguinte, Marconi é que era candidato a governador e José Eliton, já advogado, coordenou a assessoria jurídica naquela parte do Estado. Agora, novamente na terceira eleição seguinte, outros adolescentes como Júnior irão ao campo de aviação de Posse receber Marconi e seu vice local. Dona Mirtes parece não acreditar. É tradição na família Júnior enviar à mãe suas fotos de pescaria: “É cada peixão que eu fico me perguntando se é de verdade ou se é inflável”. A candidatura é para valer, dona Mirtes, e só infla com voto e torce tanto para o filho que fica apreensiva com o sofrimento para andar atrás desses votos. Se em Posse, de proporções bem menores, o casal penava em época de eleição, imagine no Estado inteiro. Mas ela se acostumou às conquistas do filho. Dona Mirtes resiste em concordar, mas vê-lo ao lado de Marconi, com amplas chances de chegarem ao governo, enche-lhe de orgulho o coração, que antes cabia Posse e agora tem mais de 340 mil quilômetros quadrados — o coração da mãe é do tamanho do Estado de Goiás.
Uruaçu 06/08/10 - (Transcrito, sem adaptações, do Jornal Opção [Goiânia-GO] - edição de 18 a 24/07/10. (*) Nilson Gomes é jornalista e reside em Goiânia)
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